A REBELDIA E
POÉTICA DOS GOLIARDOS
O renascimento urbano do século XII viu
surgir à figura do intelectual, isto é, homem cujo ofício era ensinar e
escrever. Esses intelectuais tinham consciência de viverem no âmbito bem
diferente dos séculos passados e consideravam a si mesmo como modernos. Entre
esses homens pensantes, encontramos um grupo formado por estudantes pobres que
viviam em constantes viagens de uma cidade para outra, conhecidos como
Goliardos, a origem desse nome é um
pouco controversa. Possivelmente deriva do francês antigo goliart. Na origem, significava
"bufão", e
teria adquirindo, no século XIII, o sentido de glutão,
debochado. Poderia também derivar de gole,
goule (depois gueule, goela) ou do nome de Golias, o gigante bíblico, símbolo dos inimigos da
Igreja (que seria simbolizada por David), em razão dos poemas freqüentemente
anticlericais declamados pelos goliardos. O elemento goli- também poderia ser de origem
protogermânica, tendo, neste caso, o sentido de gritar, cantar em voz alta,
brincar, fazer rir. No latim medieval goliardus, teria afinal
assumido o sentido de "clérigo ou estudante vagabundo". Levados por
uma vida de mudanças e curiosidades não eram bem aceitos socialmente, a
comunidade urbana não via com bons olhos aquele grupo de rapazes pobres,
irreverentes, rebeldes e imorais, que faziam críticas ferozes a todas as
classes sociais, além de defenderem os prazeres da bebida, do amor e do jogo.
Grande parte da obra poética e musical dos
goliardos é anônima, devido as complicações que poderiam ter caso fossem
conhecidos. Em uma época em que o pensamento Teocêntrico predominava e a
hierarquia religiosa ditava as regras, esses jovens anárquicos e de espírito
livre, usavam suas composições como um protesto e uma maneira de se opor ao
sistema vigente. Estas composições foram reunidas nos Carmina Burana, nos quais à exaltação dos
prazeres carnais se associa a crítica à Igreja medieval, que condena os
costumes libertinos. O Carmina
Burana,é um códice contendo mais
de 200 canções profanas compostas por esses artistas, que esmolavam para ganhar
a vida. A cantiga abaixo é um resumo ideológico das aspirações de quase todos
eles:
“Se o sábio/ tem costume de construir sua morada
Sobre a rocha / então sou um louco,
Pois sou como a corrente que avança / e cujo
curso
Jamais se detém./
Sigo adiante/ como um barco sem piloto/
Como um pássaro vagando/ pelos ares
Nada me detém/ nem chaves nem grilhões /
Procurando meus semelhantes/ junto aos miseráveis
Meu caminho é longo/ como minha juventude/
Largar-me-ei aos vícios / esquecidos da virtude/
Desejando mais os prazeres/ que a salvação /
Minha alma está morta / só me importa a carne...”
Nota-se além da forte expressão filosófica, a
preocupação semântica contida nesses versos, como o sentimento de liberdade e
rebeldia reforçando a expressividade do Eu - lírico em afirmar que nem mesmo
“os grilhões” os podem prender. Outro fator a ser observado se refere à alusão
ao tema puramente engajado, enquanto os trovadores de sua época pouco se
preocupavam com a questão social, eles iam à direção contrária, pois,
reafirmavam de forma crítica, o que a sociedade da época não estava habituada a
questionar. São freqüentemente associados ao partido gibelino (facção política do século XII
partidários do Sacro
Império Romano-Germânico), mas na realidade os Goliardos vão além: vêm no Papa não apenas o
hipócrita tutor da tradição moral, mas também o expoente de uma hierarquia
organizada sob a tentadora força do dinheiro. Polêmicos, inteligentes e
satíricos essa tríade pode caracterizar tanto os autores quanto suas obras, os
Goliardos sofreram as mais diversas perseguições e condenações, e acabaram por
desaparecer das culturas dos séculos seguintes, porém, deixaram seu legado: suas idéias, que reviveriam nos intelectuais do Humanismo, durante o Renascimento.
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